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A Coragem e a Responsabilidade em Tempos de Crise

Foto do escritor: Marcus L L ChagasMarcus L L Chagas

Atualizado: 28 de ago. de 2020

Na última sexta-feira (08/05), o mundo celebrou o 75º aniversário da tão esperada e difícil vitória dos Aliados contra as forças Nazistas na Europa – data essa que ficou popularmente conhecida como “V.E. Day”. Esse evento, sobretudo quando colocado à luz dos acontecimentos que vivemos nos dias de hoje, nos fornece uma grande lição de perspectiva e, ao mesmo tempo, denota a importância e a seriedade que envolvem os processos de tomada de decisões – ainda que algumas sejam muito difíceis – em meio às nossas lideranças, sejam elas nos setores estatais, sejam nos setores privados. Momentos de grande crise, em geral, tendem a evidenciar uma série de reações e percepções extremadas, para um lado da esfera política ou para o outro, e, por este motivo, decisões que em situações rotineiras poderiam ser tomadas sem maiores dificuldades podem se tornar até mesmo impossíveis de se executar, gerando novas crises na cadeia de comando existente, e também reações apressadas e pouco ponderadas de demais entidades envolvidas no processo político.


Seja no caso da Segunda Grande Guerra (1939-1945), seja no paralelo de dificuldade que agora traçamos em meio à Pandemia do Coronavírus – que, embora sejam situações absolutamente diferentes em essência e possibilidades, se apresentam em um cenário de grave crise – a grande questão é que, nesses momentos, toda a pressão política, econômica e social é invariavelmente canalizada para o centro da estrutura, e, mais diretamente, para os responsáveis pela formulação e execução de políticas públicas. Para o bem, e para o mal, a estrutura organizacional do Estado-Nação, naturalmente, tende a privilegiar uma abordagem de decisões por uma ótica “Top-Down” – ou seja, algo que é concebido de cima para baixo na hierarquia dessa estrutura – e, enquanto tal estilo possa ser bastante útil para viabilizar agilidade ao processo decisório, e também para possibilitar que pessoas mais qualificadas e informadas (em tese) sejam as responsáveis por tais escolhas, ele promove uma centralização no topo que, muitas vezes, legitimamente, gera fortes disputas e oposições por parte de outros setores que não estejam diretamente envolvidos nessas decisões.


Não é difícil, portanto, destacar diversos momentos na história – recente e distante – nos quais o questionamento das decisões das lideranças se tornou algo significativo e conflitante. Na realidade, essa situação, se analisarmos com maior critério, deve ser a mais comum em qualquer período, sobretudo em tempos de crise e de piora das perspectivas de qualquer sociedade. Contudo, embora seja verdadeira, tal constatação não se sustenta como uma justificativa para que governantes ignorem aspectos e/ou pessoas que porventura entrem em conflito com seus planejamentos e ambições, ou extrapolem suas prerrogativas.


É comum, principalmente nas esferas mais elevadas do poder, que lideranças se fechem em uma ótica cada vez mais centralizadora e controladora quando colocadas diante de forte oposição, ou quando inseridas em contextos realmente desafiadores – como uma grande crise – quer visem a simples solução de um problema por vias mais rápidas ou tidas como mais adequadas, quer desejem mais controle e poder sobre os demais. Por muitas vezes, como no caso de Winston Churchill diante da ameaça nazista, há notória sabedoria e capacidade organizacional na centralização do processo decisório – principalmente quando há tempo e recursos muito limitados para se executar determinadas ações – sendo ela, por vezes, até mesmo indispensável para uma política bem sucedida. Entretanto, existe sempre uma linha tênue entre a coragem necessária para se assumir um protagonismo de decisão, optando por estratégias arriscadas e duras quando necessário, e a irresponsabilidade de se valorizar mais o protagonismo e a prerrogativa de poder decorrente daquela decisão ou da estratégia pretendida.


Quando se pensa na Segunda Guerra, por exemplo, apesar de todos os méritos atribuídos às lideranças – aqui, mais especificamente, falando sobre Churchill – são inegáveis as constantes, e sérias, oposições enfrentadas por elas. Embora por vezes tenham tido a coragem de se levantarem sozinhas contra um grande número de opositores, e tenham aplicado suas visões políticas com firmeza e determinação, também é inegável que aquelas políticas que se converteram em sucesso quando aplicadas foram sempre, e invariavelmente, amparadas e sustentadas por elementos concretos da realidade, e não simplesmente por ideais, interesses e/ou expectativas de tais lideranças. Em 1940, por exemplo, Churchill jamais teria se mantido no cargo de Primeiro Ministro, e continuado responsável pelas decisões de guerra e de Estado do Reino Unido, se sua estratégia de “lutar até o fim” fosse baseada simplesmente em uma demagogia ideológica ou em um “delírio romântico” – como muitos opositores à época diziam ser – em vez de estar amparada por um planejamento político-militar sólido e materialmente sustentável – dado, também, o sucesso do resgate de Dunkirk. Nesse caso, a condução de Churchill se fez virtuosa, mesmo diante de um cenário potencialmente catastrófico e de grande oposição política, porque, apesar de arriscada, foi realista e não temerária.


A realidade (e todas as suas implicações), por incrível que pareça, é sempre um dos aspectos mais desprezados no jogo político, pois ela é sempre aquilo que as pessoas tentam negar ou alterar a todo custo e a todo momento, quaisquer sejam seus motivos para tal. Nesse movimento, surge o perigo duplo da tirania e da irresponsabilidade, que se tornam produto indiscutível das ações políticas, quando implementadas ignorando-se a prudência e as reais capacidades (materiais e imateriais) nos planejamentos. Nesse contexto, lideranças e governantes que agem por medo, entusiasmo ou histeria, mesmo que bem intencionados, tendem a se tornar tão prejudiciais e perigosos quanto aqueles que, mal intencionados, buscam poder e controle a todo custo. Assim, retornando ao contexto da guerra, temos outro exemplo, agora na figura de Neville Chamberlain, que, no outro extremo da coragem, por medo de uma nova guerra, fora negligente e permissivo em relação aos nazistas, sustentando uma expectativa irreal de paz enquanto a realidade impunha um devastador contexto bélico.


Dessa forma, percebe-se que, por mais bem intencionada que uma liderança possa ser, em momentos de crise ou em situações normais, há sempre um grande perigo em qualquer ação que desrespeita os limites impostos pela realidade vivida. Não apenas pela existência de resultados ruins, decorrentes de políticas e teorias que não estejam em sintonia com a prática, mas também pelo tipo de consequências que se desdobram de políticas ditas “extraordinárias”, “temporárias” e “necessárias”. Existem, de fato, momentos nos quais a coragem de um decisor em se arriscar e se colocar diante de opositores é louvável e necessária, mesmo que cometendo erros, como no exemplo de Churchill, mas tal coragem só existe se trabalhada em um espectro realista, no qual as limitações, tanto materiais quanto imateriais, sejam respeitadas e levadas em consideração. Do contrário, tem-se uma tirania – sob a qual quaisquer atitudes e absurdos passam a ser justificáveis por um pretexto de “bem maior”, seja esse “bem” qual for; ou um caos mergulhado em irresponsabilidade – sendo ela fruto da temeridade, da covardia, da permissividade ou de alguma outra forma de incompetência.


Com essa reflexão, enquanto nos lembramos das difíceis decisões à época da guerra, na semana em que celebramos a vitória da liberdade na Europa, também nos lembramos de que, mesmo em situações de crise, diante de diversas necessidades e tantas adversidades, o equilíbrio e a prudência são aspectos fundamentais a qualquer tipo de decisão a ser tomada – sobretudo na esfera da vida pública, na qual as decisões de poucos afetam as vidas de tantos. Por isso, é interessante que tenhamos sempre de forma clara a consciência de que, embora tempos de crise nos projetem situações de grande instabilidade e nos coloquem diante de escolhas muito difíceis (que, apesar de duras, por vezes podem ser necessárias e assertivas), momentos assim sempre revelarão movimentos, grupos e indivíduos de três tipos: os oportunistas, que se aproveitam da fragilidade e do medo da coletividade para benefício próprio; os incompetentes, que, mesmo que bem intencionados, ou não possuem a capacidade para tomar decisões acertadas, ou acabam optando por decisões equivocadas por influências diversas; e os virtuosos, que, mesmo cometendo erros, terão um conjunto significativo e virtuoso de acertos.



 

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Sugestões de Leitura


BURKE, Edmund. Reflexões Sobre a Revolução na França. 1 ed. São Paulo: Vide Editorial, 2017. 364 p. Tradução de Marcelo Gonzaga de Oliveira.


GILBERT, Martin. A Segunda Guerra Mundial: Os 2.174 Dias que Mudaram o Mundo. 1 ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014. 976 p. Tradução de Ana Luísa Faria e Miguel Serras Pereira.


KIRK, Russell. A Política da Prudência. 1 ed. São Paulo: É Realizações, 2014. 496 p. Tradução de Gustavo Santos e Márcia Xavier de Brito.


LOBELL, Steven E. et al. Neoclassical Realism, The State, and Foreign Policy. 3. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2014. 310 p. Editado por Steven E. Lobell, Norrin M. Ripsman e Jeffrey W. Taliaferro.


LUKACS, John. Churchill e o Discurso que Mudou a História: Sangue, Trabalho, Lágrimas e Suor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. 119 p. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges.


LUKACS, John. Cinco Dias em Londres: Negociações que Mudaram o Rumo da II Guerra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. 217 p. Tradução de Teresa Resende Costa.


SCRUTON, Roger. Tolos, Fraudes e Militantes: Pensadores da Nova Esquerda. São Paulo: Record, 2018. 406 p. Tradução de Alessandra Bonrruquer.



 

Marcus L L Chagas é Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-MG, estudioso e pesquisador de Política Internacional, com ênfase em Política Britânica, História Geral e Distribuição Internacional de Poder. É membro-associado da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra - Delegacia do Estado de Minas Gerais (ADESG-MG).

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1 Comment


catlinhares
May 15, 2020

Excelente texto e análise. Parabéns!

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