No dia 1 de julho de 2020, uma notícia tomou conta dos jornais: a aprovação de um referendo constitucional por 78% da população russa. Um dos pontos mais polêmicos aprovados é uma emenda constitucional que limita para 2 o número de mandatos consecutivos que um presidente pode exercer. Tal regra já existia na constituição do país, no entanto, ao reinseri-la, a contagem dos mandatos já cumpridos pelo atual presidente, Vladimir Putin, será reiniciada, permitindo-o concorrer a mais dois mandatos consecutivos e, consequentemente, permanecer no cargo até 2036. Ainda que controversa, a aprovação desse referendo é uma vitória para Putin, pois ele enfrenta atualmente o período mais incerto acerca de seu poder e futuro político em mais de 20 anos.
Vladimir Vladimirovich Putin, atualmente com 67 anos, começou sua carreira como um agente da KGB, serviço secreto da União Soviética, em 1975. Ao longo do tempo foi subindo de posição dentro da organização até chegar à tenente-coronel. Em 1991, renunciou ao cargo por não concordar com os planos do então presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev, de dissolver a União. A partir de então, voltou-se para a política e foi ganhando cada vez mais poder e influência, até que em 1990 foi eleito como Primeiro-Ministro da Rússia pela Duma Federal, a câmara legislativa baixa russa, análoga, mas com funções diferentes, à Câmara dos Deputados do Brasil. Até então, Putin era desconhecido por grande parte da população, mas tudo mudou com a eclosão da Segunda Guerra na Chechênia. Devido ao seu pulso firme durante o conflito e a vitória da Rússia sobre as forças separatistas, entrou nas graças do povo e venceu as eleições de 2000 para a presidência.
Como presidente e grande estadista, Vladimir mostrou toda sua capacidade de aumentar seu poder através de seu carisma, demostração de força e orgulho nacional. Posicionou a Rússia como uma das lideres mundiais de intervenção em conflitos e investiu fortemente em armamento e tecnologia de guerra. Ademais, entre 2000 e 2008 a população viu seu poder de compra real aumentar em 72%, uma média de 7% ao ano. No final do seu segundo mandato, e último consecutivo permitido pela constituição, seu índice de aprovação alcançava cerca de 83%. Em 2008, em uma manobra para continuar no poder, Putin elegeu-se como deputado pela Duma, e logo depois Primeiro-Ministro, e apoiou seu aliado político Dmitri Medvedev na eleição para presidência. A vitória dessa “chapa política” foi fortemente criticada pela oposição e o movimento contra essa política tornou-se ainda mais forte em 2012, após nova vitória da chapa Putin-Medvedev- só que dessa vez com os cargos trocados, sendo Vladimir como Presidente e Dmitri como Primeiro Ministro- pois mostrou ao mundo que Putin não pretendia deixar o poder.
Após o ocorrido, protestos foram convocados contra o governante por lideres da oposição e movimentos pró-democracia, unindo aliados improváveis, como os partidos liberais, o Partido Comunista Russo, organizações libertárias, socialistas, sindicatos, dentre outros movimentos. Foi evidenciado durante essas demostrações, perseguições a jornalistas e políticos de oposição, corrupção sistemática do governo e até possíveis fraudes nas eleições de 2012. Como forma de retaliação, Vladimir Putin, utilizou de toda força policial possível, prendendo mais de 1.000 protestantes e, além disso, instituiu regras mais restritas sobre demostrações públicas. Após tal acontecimento, a perseguição de jornalistas, políticos e líderes opositores acentuou-se e a popularidade de Putin começou a ser afetada. Em 2014, a Rússia iniciou o processo de anexação da Crimeia, região rica em petróleo e gás natural, ao seu território. Entretanto, devido a essa ação, passou a sofrer a diversas sanções econômicas internacionais que levaram diversos investidores estrangeiros a retirar seu dinheiro do país. Além disso, houve uma queda acentuada no preço do petróleo e do gás natural, que gerou uma crise econômica cujos efeitos perduram até os dias atuais. Consequentemente, o rublo -moeda nacional russa- perdeu metade do seu valor em relação ao dólar, a inflação aumentou a níveis preocupantes e apenas entre 2014 e 2015, mais de 3 milhões de russos ingressaram na faixa da pobreza.
Por conseguinte, a popularidade de Vladimir Putin caiu fortemente para o pior nível desde sua entrada no cargo de presidente em 2000. Em maio de 2020, 59% dos russos aprovaram o governo do presidente, frente ao número recorde positivo em julho de 2015, 89%. Ademais, atualmente apenas 28% dos russos colocam Putin entre os polítocos mais confiáveis, uma grande queda em comparação a 3 anos atrás, quando o presidente estava na lista de 59% dos entrevistados. Não obstante, o coronavírus e a crise econômica causada pela pandemia representa um grande desafio para Vladimir, pois é esperada uma queda de até 10% do PIB em 2020 e a Rússia tem a terceira maior taxa de infectados do mundo.
Logo, muitas dúvidas foram lançadas acerca da capacidade do presidente de continuar no cargo, provocando diversas especulações em relação ao futuro. Contudo, a recente vitória esmagadora referendo revela o tamanho da influência política que ele ainda tem. Mesmo com as suspeitas de fraudes, essa votação provocou uma guinada no futuro eleitoral da Rússia. Vladimir não só mostra que ele ainda é viável como líder político, como, ao mesmo tempo, permite eleger-se para mais dois mandatos. Tudo parece encaminhar para que Vladimir Putin, se assim quiser, permaneça no poder por mais de 36 anos consecutivos.
Todavia, vivemos em tempos muito incertos. Com possíveis impactos econômicos e políticos mais graves devido ao COVID-19, a prisão recente do jornalista contrário ao atual governo, Ivan Golunov, e possíveis reações políticas frente as suspeitas de fraude e de praticas questionáveis no referendo, como, por exemplo, a organização de sorteios de brindes e até carros para que as pessoas votassem, reviravoltas na política não estão fora de cogitação e uma nova era política pode ser vislumbrada aos opositores do governo russo.
Referências:
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