Desde que as conversas sobre uma possível saída do Reino Unido da União Europeia se iniciaram e posteriormente quando o processo de saída deste do bloco começou muitas análises foram feitas, no entanto elas se concentram no impacto econômico para o Reino Unido, para os demais países da UE e para o resto do mundo. Aqui busco analisar qual será o impacto político, para as relações internacionais e sobretudo para comunidade de segurança europeia que pode ser expressada por meio da União Europeia.
O desenvolvimento da comunidade de segurança europeia, que possui como o seu principal expoente a própria União Europeia, é baseado na dessecuritização da região. Com o fim da URSS em 1991 a principal razão para a preocupação com segurança nacional de defesa dos Estados europeus deixou de existir, o que alterou a percepção sobre segurança que tinham, passando de um cenário onde a ameaça a sua soberania, defesa e cidadão era constante e assim com um baixo nível de segurança, para sem ameaças iminentes e com um alto nível de segurança. Essa alteração na sensação de segurança pelos países europeus permitiu que esses passassem a priorizar outras questões, como desenvolvimento, bem-estar social, meio ambiente e comércio, dessa forma alterando as agendas de negociação e relações internacionais para temas que possibilitam maior cooperação entre os países. Dessa maneira, países europeus que historicamente haviam lutando diversas guerras entre si, inclusive em lados opostos nas duas Grandes Guerras do século XX, passaram a cooperar mais e em diversas matérias, celebrando tratados, memorandos e diversos acordos sobre os mais diversos assuntos, culminando no tratado de Maastricht em 7 de fevereiro de 1992, o qual fundou a União Europeia.
O processo de dessecuritização possui um papel de centralidade para o desenvolvimento da comunidade de segurança europeia, pois a alteração na percepção de segurança pelos Estados e pelos indivíduos incentivou mudanças nas agendas políticas e de relações internacionais entre os países, assim, abrindo espaço para que os Estados diminuíssem os seus gastos militares em detrimento de questões relacionadas ao bem-estar social, ao desenvolvimento e até mesmo ao meio ambiente - questões que não tinham espaço ou tinham pouco espaço no período anterior.
Além disso, fomentou o compartilhamento de valores, culturas, línguas, etc. entre os cidadãos dos países da Europa Ocidental, possibilitando que esses apresentassem interesses convergentes, o que permitiu maior cooperação e integração entre eles, além da construção de uma identidade comum, a ideia de Europa e europeu, as quais são de grande importância para a própria construção da UE, uma vez que o entendimento comum sobre questões como o estado de direito, democracia, a necessidade de gerar e garantir bem-estar aos indivíduos, meio ambiente, circulação de mercadorias, serviços e pessoas, entre muitos outros assuntos que serviu e ainda é a base para a criação de instituições e organizações comuns.
O cientista político Karl Deutsch em 1957 apresentou que uma a comunidade de segurança europeia é baseada no compartilhamento de conhecimento entre os seus membros, forças ideacionais e um ambiente normativo comum que possibilitam a formação de elos duradouros entre esses e assim assegurando a existência de uma paz estável na região.
Outro aspecto da teoria desenvolvida por Karl Deutsch é a distinção entre diferentes tipos de comunidades, comunidades amalgamada e segurança pluralista, sendo que a primeira existe quando Estados que possuíam governos diferentes se unem e criam um governo único comum; segurança pluralista é onde Estados se integram, mas mantém a sua soberania. Em ambos os tipos de comunidade-membros possuem os incentivos a solucionarem as suas desavenças de forma pacífica, evitando conflitos, diminuindo a sensação de insegurança entre os países e gerando um cenário de paz estável entre eles. Quanto a União Europeia é possível observar aspectos tanto de comunidade amalgamada como de segurança pluralista, pois ao mesmo tempo em que os Estados-membros mantêm a sua soberania a atual integração entre eles possibilitou a criação de instituições e organizações como o Parlamento Europeu e Tribunal de Justiça da União Europeia os quais possuem o direito de legislar e julgar sobre diversas matérias, inclusive sobre matéria de defesa e segurança, criando uma política de defesa e segurança comum, e julgando sobre matérias de civis dos Estados europeus, caso estes escolham entrar com processo junto ao Tribunal de Justiça da UE invés daquele do seu Estado.
O professor de Relações Internacionais no Departamento de Ciência Política da Universidade de Copenhague, Ole Waever adiciona um ponto muito importante a teoria de Karl Deutsch ao levantar a possibilidade de assim como uma comunidade de segurança poder ser construída ela poder ser desconstruída. Além disso, diversos pesquisadores consideram que a construção de uma comunidade de segurança só é possível entre Estados contínuos, se considerarmos isso a presença do Reino Unido na União Europeia é estranha por princípio, mas não deixa de ser de grande importância para a manutenção da paz estável na região, uma vez que esta é uma das principais potências mundiais e da região.
Assim, podemos apontar que a comunidade de segurança europeia possui como base aspectos culturais comuns e a manutenção de uma sensação de alto nível de segurança, o que possibilita que o nível de tensões entre os países se mantenham baixos e que esses continuem buscando formas pacíficas de solucionar suas desavenças e a cooperação como forma de solucionar problemas na região.
Tendo o que foi apresentado acima como base podemos inferir algumas consequências do Brexit para a região e para o mundo. No melhor dos cenários, o enfraquecimento da bloco será mínimo e o acordo do Brexit assegurará a manutenção de diversas relações, instituições e regras já estabelecidas entre os países da região, o que significa que a continuam a cooperar na busca por solucionar a crise dos refugiados, tráfico internacional de drogas e pessoas, como assegurar bem-estar social, circulação de bens, capitais e pessoas na região; o nível de tensão entre os países, sobretudo entre as potências, e não haverá a instauração de uma corrida armamentista e nem conflitos entre os países; uma onda de fechamento dos países e nem de unilateralismo irá varrer os países da Europa, assim os países manterão as suas relações estáveis e continuarão a votar de forma semelhante ou igual na ONU, no Conselho de Segurança das Nações Unidas e em outros organismos internacionais; a Europa continuará a ser um grande obstáculo aos avanços dos interesses da Rússia e da China na região; e a paz estável na comunidade de segurança europeia se manterá.
No pior dos cenários, o nível de tensão e insegurança entre as potências da região aumentará, possivelmente levando a uma nova corrida armamentista entre os países da região (como já aconteceu no passado); as relações entre o Reino Unido e os demais países da União Europeia irá sofrer mudanças profundas que irão alterar de forma significativa como esses países votam na ONU, no Conselho de Segurança da ONU e em outras diversas organizações internacionais, como acontece a circulação de pessoas, capitais, serviços e mercadorias, como tratam questões sobre meio ambiente, segurança, bem-estar, como se comportam em relação as questões do Oriente Médio, etc.; uma onda de fechamento dos países e de multilateralismo irá varrer a Europa, levando aos países a tratar uns aos outros de forma cada vez mais hostil e assim diminuindo a cooperação duradoura entre eles, alterando a forma como lidam com questões como migração, refugiados, tráfico internacional de drogas e de pessoas, meio ambiente, infraestrutura, entre outras muitas áreas; o distanciamento cada vez maior entre os países da região, assim como crescimento das tensões entre eles irá enfraquecer a região perante outras potências e potências emergentes, principalmente em relação aos EUA, Rússia e China, de forma que esses países não terão superar os grandes obstáculos de outrora para adentrar na região; e a paz estável na comunidade de segurança europeia será quebrada dando lugar maior insegurança e possivelmente conflitos.
Com as eleições para um novo parlamento britânico marcadas para o dia 12 de dezembro de 2019 e o prazo para a finalização de um acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia marcado para o dia 31 de janeiro de 2020, muitos acreditam que o partido que conseguir o maior número de cadeiras no parlamento será capaz de decidir os termos do Brexit. Assim, o que nos resta a fazer é esperar para ver o que acontecerá.
Fabiana Diniz é graduanda em Relações Internacionais pelo Ibmec-BH.
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