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[SÉRIE | O “Neoliberalismo Estatal] – FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E A LIBERALIZAÇÃO POR DEMANDA

Foto do escritor: Marcus L L ChagasMarcus L L Chagas

Atualizado: 28 de ago. de 2020

Como foi apresentado no texto anterior sobre o Modelo Keynesiano-Desenvolvimentista do Brasil, com a confecção da constituição de 1988, o Estado Brasileiro passou a ser legalmente vinculado a uma série de compromissos e responsabilidades sociais, como apresentado anteriormente. A partir da década de 1990, sobretudo com o advento do governo Collor, o brasil iniciou - em longo e espaçado processo - um movimento de liberalização. Primeiro comercial, abrindo mercados para diferentes tipos de importação e exportação, e também para a entrada de empresas multinacionais no país, se instalando por meio de grandes aportes de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) e um grande conjunto de incentivos fiscais e operacionais oferecidos pelo Estado - a nível federal, estadual ou municipal (NARLOCH, 2015).


Contudo, apesar de modo diferente, a intervenção estatal continuava a ocorrer, e as crises vividas pelo brasil nas décadas anteriores não cessaram. Com o problema constante da inflação, a crise fiscal e monetária foi enfrentada com o Plano Real, que de modo bem-sucedido foi capaz de estabilizar a moeda e aniquilar o problema inflacionário. Assim, Fernando Henrique Cardoso, um social-democrata (e não um liberal-democrata) se tornou presidente em 1995, com um plano de governo baseado na estabilidade macroeconômica, na preservação da moeda (Real), em políticas de bem-estar social e em um significativo propósito de liberalização econômica - por meio de privatizações estratégicas, reformas e metas de governo. É certo que, diante do histórico brasileiro até então, tais acontecimentos representaram uma mudança forte na política brasileira, ao menos no aspecto econômico (SÉRIE - BRASIL PARALELO - O TEATRO DE TESOURAS, 2018).


Porém, há uma outra parte desta mudança que, muitas vezes, passa despercebida na academia e nos meios populares: nos governos de Fernando Henrique (1995-2002), apesar de fluxos significativos de privatizações - algumas em forma de concessão sob controle do governo, o que é amplamente questionado no meio liberal - tentativas de desregulamentação, estabelecimento de metas inflacionárias e planejamento governamental, da realização da abertura do mercado financeiro e da busca responsável por equilíbrio fiscal; neste mesmo período, foram criadas 10 agências reguladoras - e com elas mais legislações e mais incremento burocrático - interferiu-se no câmbio - com a fixação da taxa no início do governo - e, depois, com uma política de flutuação "suja", e, um caso mais preocupante, realizou-se pelo menos 8 processos de privatização com a participação do Estado e de grupos de alta participação e influência política (por meio dos fundos de pensão) (CARPIO, 2015).


Outra questão a ser analisada, neste processo são os níveis de liberdade econômica e individual do país, que são indicadores muito importantes para avaliar se, de fato, houve um processo de liberalização significativo no país e, ainda, se as alterações e reformas feitas na estrutura do Estado aproximam o país a uma categoria de livre-mercado. Quando analisados os índices de liberdade do Fraser Institute e da Heritage Foundation, por exemplo, percebe-se que, apesar de melhoras significativas em relação à década de 1980 - em áreas como desregulamentação financeira e participação econômica do Estado - a legislação relacionada à propriedade privada no Brasil, sofreram pioras, e que o Estado passou a ocupar papéis socioeconômicos que antes não ocupava (FLAUBERT, 2014).


Dessa forma, quando recorremos ao aparato teórico de base - escolas liberais - é possível perceber que houve uma mudança - significativa, sim - no modelo de atuação do Estado (interventor), mas que não houve, de fato, um deslocamento estrutural ou governamental para um modelo pró-mercado - mesmo que um modelo pró-mercado () incompleto (NARLOCH, 2015). A partir desta compreensão, quando analisado o governo de Fernando Henrique, percebe-se que suas reformas - tributária, administrativa, fiscal e previdenciária - apesar de apresentarem características liberais, eram pouco profundas no tocante ao papel do Estado e pouco versavam sobre uma real mudança na atuação estatal, na realidade elas tinham uma intenção clara de promover uma limpeza nas contas públicas e uma reestruturação mais responsável (ou não-irresponsável) nos setores de atuação do governo, resultando em uma melhor capacidade de gerenciamento da governança, e em uma atuação mais eficiente dos atores estatais (não menos presente, ou menos recorrente) (NARLOCH, 2015).


  • Aqui, não se entende "modelo pró-mercado" como ausência de governo ou regulações, o que se enquadraria em uma utopia libertária, e não em uma minarquia liberal. Entende-se por modelo pró- mercado um arranjo econômico que busque a atuação do Estado como garantidor do livre funcionamento do mercado, por meio da garantia de regras claras, estáveis e previsíveis, que garantam segurança jurídica e liberdade de atuação dos agentes econômicos (que não são o Estado). Ou seja, um Estado que não participe diretamente da rotina econômica, que não busque interferir, direcionar ou determinar o funcionamento econômico.

Assim, fica evidente que o governo de Fernando Henrique Cardoso se aproxima muito mais de uma social-democracia - título este que o ex-presidente conserva - do que de uma democracia liberal proposta pela Escola Austríaca ou pela Escola de Chicago. Portanto, é seguro sugerir que o Brasil nunca experimentou um governo que tenha implementado um modelo (de fato) "neoliberal", mas sim algo que se aproxime muito mais de uma proposta de "terceira-via" - na qual se conserva o protagonismo do Estado enquanto ator econômico e social, aprimora-se o Estado de Bem-Estar Social e os programas sociais do governo (como redistribuição de renda ()), mas se tem uma preocupação maior com o equilíbrio das contas públicas e se estabelece limites para o endividamento e os desajustes macroeconômicos. Fernando Henrique, teórico do projeto cepalino e defensor de teses como a Teoria da Dependência, em termos de política econômica, em muito se assemelha a governos como Bill Clinton (EUA), Tony Blair (GBR), Felipe Gonzalés (ESP) e Ricardo Lagos (CHL), e em muito se distancia de ícones do chamado "Neoliberalismo", como Margaret Thatcher (GBR), Ronald Reagan (EUA) e Augusto Pinochet (CHL) (FLAUBERT, 2014).


  • A exemplo do "Comunidade Solidária", do governo de Fernando Henrique Cardoso, continuado e ampliado como “Fome Zero” no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.



 

REFERÊNCIAS E RECOMENDAÇÕES DE LEITURA


CARPIO, Juan Fernando. Sobre as Reformas "Neoliberais" na América Latina e por que Elas Fracassaram. Instituto Mises Brasil, 05 maio 2015. Disponível em: <https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1775>. Acesso em: 26 abr 2019.


FLAUBERT, Elton. Foi o Governo Fernando Henrique Neoliberal?. Revista Amálgama, 17 out 2014. Disponível em: <https://www.revistaamalgama.com.br/10/2014/foi-o-governo- fernando-henrique-neoliberal/>. Acesso em: 26 abr 2019.


NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da Economia Brasileira. São Paulo: Leya, 2015. 304 p.


SÉRIE - O Teatro das Tesouras. 2018. Son., color. Brasil Paralelo - O Teatro das Tesouras. 7 Episódios. Brasil Paralelo. Disponível em: <https://www.youtube.com/playlist?list=PL3yv1E7IiXySXVtQEJyqHGNnn_9m7XkEq>. Acesso em: 26 abr. 2019.



 

Marcus L L Chagas é Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-MG, estudioso e pesquisador de Política Internacional, com ênfase em Política Britânica, História Geral e Distribuição Internacional de Poder. É membro-associado da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra - Delegacia do Estado de Minas Gerais (ADESG-MG).


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