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[SÉRIE | O “Neoliberalismo” Estatal] – O DESGASTE DO ESTADO BRASILEIRO: UM MODELO KEYNESIANO

Foto do escritor: Marcus L L ChagasMarcus L L Chagas

Atualizado: 28 de ago. de 2020

No último texto da série, foi colocada a relação entre as políticas que se pretendia pelo Consenso de Washinton, com um caráter prático mais liberalizante, e o pensamento liberal. Agora, neste texto, retornaremos um pouco na linha histórica da economia brasileira para compreender o tipo de relação Estado-Economia que era aplicada pelos governos ao longo dos anos, e também será colocado um paralelo com a constituição de 1988, para que se possa compreeender, para além dos motivos político-ideológicos, como e por quais motivos o modelo adotado na época de “liberalização” do Brasil seguiu a linha do Consenso de Washington, e não do resgate liberal em si.

Quando avaliada a história econômica brasileira, há um grande e significativo ímpeto desenvolvimentista no trato da economia, sobretudo após a incidência do pensamento cepalino (Comissão Econômica para a América Latina). Este modelo, embora influenciado por um grande número de pensadores mais a esquerda, propunha um incremento capitalista desta periferia do sistema internacional por meio de forte desenvolvimento industrial e da redefinição do papel exportador destes países. O grande problema é que, a base para todo este processo de desenvolvimento, seria um dos atores mais ineficientes possíveis: o Estado (BRAGANÇA, 2017).


Os modelos desenvolvimentistas nacionalistas, adotados não apenas por governos revolucionários no brasil, mas por governos de centro e, inclusive, pelos governos militares, colocaram o Estado como principal agente econômico e provedor das condições do mercado e do ambiente econômico como um todo. A questão principal, todavia, é que o Estado não possui recursos próprios - pois não existe tal coisa como "recursos públicos", são recursos dos indivíduos e das famílias brasileiras coletados via imposição fiscal - e, para executar tais projetos, precisa ou recorrer à população, extraindo-lhe impostos, ou recorrer a financiamento externo. Como nos anos de desenvolvimentismo a população não dispunha de grande capacidade para pagar mais impostos - vivia-se em constantes crises internas e inflação - e o mercado de capitais era praticamente inexistente e fechado, a opção era buscar empréstimos em moeda estrangeira, com entidades como o Banco Mundial, FMI e outros. Isto foi o que o governo - grande e ator incisivo - fez durante todo o período que compreendia os anos 1960, 1970 e 1980, financiou processos de industrialização e desenvolvimento nacional contraindo dívidas em moeda estrangeira, centralizando empresas e mercados sob o poderio estatal e consolidando uma rede econômica totalmente dependente do Estado (NARLOCH, 2015).

Este modelo cepalino/keynesiano, embora parecesse muito atraente no curto prazo, se tornou o grande pesadelo de países que o adotaram na iminência do longo prazo, uma vez que o modelo de endividamento - interno, nos países desenvolvidos, e externo, nos subdesenvolvidos - se tornou insustentável. Em países como Estados Unidos e Reino Unido, desenvolvidos, industrializados, com grandes reservas, altamente internacionalizados e já com significativa abertura econômica e financeira, a crise do modelo ocorreu, mas pode ser contornada - ainda que com relativa dificuldade; nos países subdesenvolvidos, entretanto, pouco industrializados, com pouca ou nenhuma reserva internacional, extremamente fechados e com pouca abertura econômica e financeira, como México, Argentina e Brasil, a crise do modelo desestabilizou toda a economia e todo o contexto social. Uma vez que estes países dependiam de renda externa para se manter - e seus caros projetos desenvolvimentistas - quando a renda Mundial começou a decair, crises internacionais (como as do petróleo) ocorreram, a capacidade de pagamento da dívida começou a ser minada, e estes países, sobretudo o Brasil mergulharam em graves crises - interna e externamente (NARLOCH, 2015).


Mesmo com tentativas de renegociação, mesmo contraindo mais empréstimos com o FMI, os níveis de inflação e desemprego explodiam em alta, os salários e rendas reduziam a níveis preocupantes, e o governo interviu cada vez mais, causando cada vez mais problemas. Congelamento de preços, tabelamentos, indexações, trocas desastrosas de moedas... O governo Brasileiro, em meio a profunda crise, se distanciava cada vez mais de qualquer ótica liberal - na contramão em relação a países como Chile, Reino Unido e Estados Unidos - mergulhando em uma crise que tinha como seu principal pivô a ação ineficiente do Estado, a blindagem econômica (economia fechada) e a insatisfação popular crescente. Assim, o Estado estava em profundo desgaste, com capacidade de atuação seriamente comprometida e, mesmo após a redemocratização e o fim do regime militar desenvolvimentista, o Brasil ainda procurava a solução de seus problemas em seu principal causador: o Estado; culminando assim na chamada "Constituição Cidadã" de 1988 (BRAGANÇA, 2017).



A CONSTITUIÇÃO DE 1988



Após mais de 20 anos de regime militar, com todos os questionamentos ao controle social e à atuação excessiva do Estado no período, o povo brasileiro almejava algo que garantisse que a sociedade não mais fosse delimitada pelas vontades do governo e que resguardasse seus direitos enquanto cidadãos em um patamar inviolável. Entretanto, embora tal clamor popular existisse, esta população identificava de modo em parte equivocado que o que ela repudiava da ação do governo nos anos anteriores fora causado porque era um regime militar, e não porque o Estado possuía poderes demais. Graças ao rótulo "militar", a população brasileira não associava - e ainda hoje não associa - sua busca por liberdades e direitos à limitação do poder do Estado sobre ela, mas ao impedimento de um tipo de governo específico que usava o Estado de modo despótico e autoritário (CAMPOS, 2019).


Assim, a constituição de 1988 foi concebida em um ambiente no qual os anseios populares por direitos, serviços e satisfação de necessidades eram as grandes pautas, e, como não se associava a restrição de liberdades ao tamanho ou à atuação do Estado, mas de um tipo de governo específico, recorreu-se, em texto constitucional, ao Estado - por natureza ineficiente e centralizador - para que este, em nome da coletividade, não apenas garantisse a todos suas liberdades, direitos e necessidades, mas também determinasse quais seriam seus deveres (CAMPOS, 2019). O grande ponto é que, por um trauma das décadas de exceção e violações à ordem social vividas, a constituição de 1988 não foi concebida como um carta de direitos e deveres, mas sim como um manual ao Estado, que lhe transferia a responsabilidade de organizar, determinar, fiscalizar e prover todas as necessidades sociais, econômicas e culturais de seus cidadãos, trabalhando não apenas com uma ordem de liberdades e direitos negativos, mas, principalmente, com liberdades e direitos de ordem positiva. A consequência disto é que se transfere constitucionalmente ao Estado, a responsabilidade por todos os aspectos da vida social e econômica, colocando-o na posição de grande interventor, grande benfeitor e principal ator social, inclusive em questões e aspectos que, normalmente, não lhe seriam atribuídos (BRAGANÇA, 2017).


Constitui-se, assim, um Estado paternalista, diante de toda a sua ineficiente história administrativa, que é legalmente obrigado a interferir, gerenciar e garantir uma vasta gama de aspectos da vida social e econômica. Um Estado que é, utopicamente, incumbido de fazer com que todos os seus cidadãos atinjam a plenitude de sua felicidade, entitulando suas obrigações de "direitos" (CAMPOS, 2019). Esta estrutura, como pode ser percebido nos anos e décadas que se seguiram, se mostraria bastante saturada, centralizadora e pouco ou nada sustentável - dada a capacidade limitada e ineficiente do Estado de prover serviços, administrar agências e angariar recursos (característica esta que, em maior ou menor grau, é compartilhada por todos os Estados no modelo que conhecemos, em qualquer lugar do mundo) (BRAGANÇA, 2017).


 


REFERÊNCIAS E RECOMENDAÇÕES DE LEITURA


BRAGANÇA, Luiz Philippe de Orleans e. Por que o Brasil é um País Atrasado? O que Fazer para Entrarmos de Vez no Século XXI. Ribeirão Preto, SP: Novo Conceito Editora, 2017. 256 p.


CAMPOS, Roberto. A Constituição Contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos Sobre a Constituinte e a Constituição de 1988. Organizador: Paulo Roberto de ALMEIDA. São Paulo: LVM Editora, 2019. Editor: Alex Catharino.


NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da Economia Brasileira. São Paulo: Leya, 2015. 304 p.



 

Marcus L L Chagas é Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-MG, estudioso e pesquisador de Política Internacional, com ênfase em Política Britânica, História Geral e Distribuição Internacional de Poder. É membro-associado da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra - Delegacia do Estado de Minas Gerais (ADESG-MG).

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