Este artigo inaugura uma série de quatro pequenos textos, que serão publicados semanalmente, cujo propósito central será contextualizar e analisar quatro discursos de Winston Churchill, à luz da Segunda Guerra Mundial. Esses discursos, proferidos em momentos centrais e decisivos do conflito, se constituíram como elementos fundamentais, não apenas para a vitória dos Aliados frente ao Eixo nazista, mas também, e sobretudo, para a preservação do Mundo Livre, como consequência. Dentre os inúmeros discursos e pronunciamentos de Churchill, os textos aqui escolhidos para compor esta série de artigos foram de fundamental importância política, histórica, e cultural, sendo assim a proposta desta série trazer de uma forma mais clara, a real importância de tais pronunciamentos, e, logicamente, da figura de Churchill enquanto um dos principais responsáveis pelo triunfo da Civilização diante da barbárie.
Neste primeiro texto, será abordado o primeiro discurso de Churchill ao Parlamento Britânico (House of Commons) como Primeiro Ministro. Um pronunciamento que, após ser proferido em 13 de Maio de 1940, diante da iminente derrota das forças aliadas na Campanha da França – que seria confirmada pouco mais de um mês depois – entrou para a história como um dos discursos mais importantes e centrais da Civilização. Sangue, Trabalho, Suor, e Lágrimas (Blood, Toil, Tears, and Sweat), como ficou conhecido, foi um breve, porém firme pronunciamento de Churchill à casa, por meio do qual ele estruturou e tornou públicos os princípios de sua administração no tocante a objetivos, desafios, percepções, direcionamento moral, e, principalmente, Política Externa. Nessa oportunidade, o Primeiro Ministro anunciou ao Parlamento, além do estabelecimento de seu Governo de Coalizão (incluindo todos os partidos na administração para um esforço de guerra mais eficiente), seu comprometimento, pessoal e político, com a vitória do Reino Unido e das Forças Aliadas (que ainda não incluíam os Estados Unidos), e informou à casa não apenas os fundamentos e diretrizes que norteariam a Política Externa Britânica daquele momento em diante, mas também os desafios e perigos que PRECISAVAM ser superados pelo país, a qualquer custo, naquele grave cenário de guerra.
Com a queda política de Chamberlain, após os contínuos resultados negativos da campanha de guerra, e, também, pelas graves críticas que ele recebia por sua postura política e estratégica nos anos anteriores à guerra, Churchill passou a ocupar o cargo de Primeiro Ministro a partir de 10 de Maio de 1940. Contudo, a administração de Churchill não poderia se basear apenas na maioria parlamentar dos Conservadores, uma vez que muitos membros do próprio partido se colocavam contra suas percepções e estratégias, e que a não-confiança de demais alas do Parlamento - não-participantes do governo - eventualmente colocaria sua administração em situação semelhante ou pior à de Chamberlain, em um contexto provavelmente bem mais delicado.
Assim, Churchill monta sua administração, seu Gabinete Executivo e seu Gabinete de Guerra a partir de uma Coalizão Nacional entre o Conservative Party, o Labour Party, o Liberal Nacional Party, o Liberal Party, o National Labour Party e o Industrial Labour Party. No aspecto mais relevante da discussão política, a guerra, Churchill monta seu Gabinete de Guerra com cinco de seus membros sendo representantes dos partidos na oposição, para que esta pudesse participar ativamente do governo e da administração de guerra. Dessa forma, além de refletir em seu governo recém-formado o desejo nacional de um governo amplamente representativo, Churchill sanou com maestria um dos problemas políticos domésticos que mais o ameaçavam: o fantasma de uma revolta parlamentar contra o governo, com Chamberlain havia sofrido. Ao inserir toda a oposição dentro de seu Gabinete, de sua Administração, Churchill na prática eliminou toda e qualquer oposição (em termos de sistema político) que havia, ou poderia haver, dividindo, ao mesmo tempo a responsabilidade de decisão não apenas com membros de seu partido, como seria em um Gabinete convencional, mas também com os demais partidos - representados por suas posições no Gabinete.
Com o Governo de Coalizão Nacional estabelecido, em seu discurso de 13 de Maio, Churchill se faz bastante claro acerca da mudança fundamental na Política Externa Britânica, o que causa esperado desagrado em grande parte dos parlamentares. Se antes, com Chamberlain diante da Administração, a determinação sobre a guerra era incerta, os objetivos confusos e a estrutura dessa guerra limitada, com Churchill o Reino Unido entra claramente em uma ótica de Guerra Ilimitada – ou seja, uma guerra na qual os objetivos são o que há de mais caro ao país, a sobrevivência – desde o primeiro dia de seu governo, como afirma em trecho final de seu discurso:
Temos diante de nós um desafio dos mais graves. Temos diante de nós muitos, muitos e longos meses de luta e sofrimento. Vocês perguntam: qual é o nosso plano de ação? Posso dizer: é travar a guerra pelo mar, pela terra e pelo ar com todo o nosso poder e toda a força que Deus possa nos dar; travar a guerra contra uma monstruosa tirania jamais suplantada nos registros sombrios e lamentáveis do crime humano. Esse é o nosso plano de ação. Vocês perguntam: qual é o nosso objetivo? Posso responder em uma palavra: a vitória. A vitória a todo custo, a vitória a despeito de todo o terror, a vitória mesmo que a estrada seja longa e penosa - pois sem a vitória não há sobrevivência. (CHURCHILL apud SONDERMANN, 2018, p. 145)
Com este discurso, apesar de causar grande espanto em um Parlamento e em uma população que por anos escutavam do governo que a guerra, que seria rápida e cirúrgica, talvez nem mesmo atingisse o território nacional, Churchill deixa totalmente clara a Política Externa do Governo e também evidente a adoção pelo Governo de sua própria percepção acerca do que seria o “Interesse Nacional”. Como destaca John Lukacs em seu livro "Churchill e o Discurso que Mudou a História", a partir da humildade e do respeito ao ordenamento político, democrático, e constitucional, expressados neste discurso, Churchill demonstra ao Parlamento e ao povo não ser o estereótipo que faziam de sua figura: polêmico, cansado, arrogante, não confiável, etc.; se colocando como um servo do povo e da nação, ciente de suas limitações e da grande tarefa que lhe foi confiada. Dessa forma, este discurso pavimenta o caminho, mesmo que ainda sob forte oposição no Parlamento e nas camadas mais elevadas do establishment britânico, para que, ainda que diante de perspectivas terríveis e de riscos muito elevados, o Reino Unido afirme sua resolução de “lutar até o fim” contra os nazistas.
Contudo, mesmo com um excelente resultado após suas primeiras medidas e seu primeiro discurso na House of Commons, Churchill ainda é encarado com grande criticismo pelos opositores de suas políticas no Parlamento, com destaque para o Visconde Halifax, que se portou como um grande antagonista no Gabinete de Guerra até ser transferido para Washington, ao final de 1940. Muitos destes críticos, adeptos a uma visão mais pacifista (ou menos incisiva) que o realismo bruto de Churchill, temiam a guerra acima de tudo e, em alguns casos, fariam de tudo para garantir a manutenção de uma “paz negativa” (não-agressão) entre as nações - até mesmo se render a Hitler em nome da paz (com a crença, tola, de que suas propriedades e modos de vida seriam respeitados pelo Fuhër após um arranjo de paz). Assim, o posicionamento enfático de Churchill quanto a uma Guerra Ilimitada "até o fim" causa grande preocupação em determinadas alas do Parlamento - dentro do Partido Conservador, majoritariamente - e em algumas figuras dentro do Gabinete de Guerra, como Chamberlain e Halifax. Embora seu discurso tenha causado certa apreensão em figuras como Hitler e Mussolini, e, ao mesmo tempo, tenha fornecido uma luz de inspiração a uma população britânica ainda pouco afetada pela guerra (diretamente), Churchill sabia que, devido à situação extremamente precária na qual se encontravam as Forças Britânicas e Aliadas no continente, naquele momento, tudo já poderia estar perdido sem que muito pudesse ser feito para se evitar a derrota frente a força nazista. Logo, mesmo que Churchill acreditasse (como de fato acreditava) em tudo o que havia dito neste discurso inaugural, ele sabia que as probabilidades eram majoritariamente contrárias ao sucesso britânico e que, mesmo em um cenário de vitória, ela seria cara, demorada e amarga.
De modo a tentar orquestrar sua grand strategy e de fomentar a resistência dos aliados no continente, nesse período Churchill fez viagens à França e a outras regiões sob controle dos aliados, para que se reestruturassem a estratégia de guerra e se projetassem as estratégias de contra-ataque. Apesar de há muito perdida a oportunidade de salvar, de fato, o continente (e ele sabia disso), Churchill se esforça ao máximo para que a França e os demais aliados sigam sua determinação, e lutem até o fim. Entretanto, na Bélgica e na Holanda o conflito já estava praticamente perdido, faltando apenas a rendição oficial dos governos – que viria poucos dias depois desse discurso – e na França, não havia determinação e compromisso suficientes para uma campanha de resistência em larga escala, ficando essa tarefa a grupos descentralizados e a civis. Com o leste da França sendo rapidamente tomado pelos panzers alemães e o restante do território sendo constantemente bombardeado pelas forças da Luftwaffe, a capacidade de reação da França se encontrava muito debilitada e a baixa determinação francesa para o combate tornaram as forças francesas e britânicas no território pouco relevantes diante do avanço alemão, com números e armamentos muitos superiores. Então, mesmo que salvar a França se constituísse um aspecto fundamental da estratégia de Churchill, se fizera pouco provável que este objetivo fosse possível a partir daquele momento.
A Batalha da França já se encontrava praticamente perdida, mas, ao estruturar as bases de sua administração, e ao reformular a Política de Guerra do Reino Unido, através deste discurso em 13 de Maio e de seu pronunciamento à nação em 19 de Maio (no rádio), Churchill possibilitou o reavivamento de um sentimento misto de preocupação, determinação e esperança, mesmo diante de possibilidades tão pouco encorajadoras. Além disso, em termos políticos, com tais pronunciamentos, ao mesmo tempo em que Churchill trouxe suas percepções e estratégias definitivamente para o Governo, ele consolidou, na esfera política e no imaginário coletivo, uma ligação direta (e fundamental para o esforço de guerra) entre a vitória – por mais difícil e demorada que fosse – e a sobrevivência... da Civilização. Ligação essa que muitos até o momento negavam ou não percebiam; e que outros muitos só viriam a perceber meses, ou anos, depois.
LINKS DO DISCURSO NA ÍNTEGRA
https://winstonchurchill.org/resources/speeches/1940-the-finest-hour/blood-toil-tears-and-sweat-2/ (Texto e Áudio Originais)
https://youtu.be/htHKbsUKDDw (Filme O Destino de Uma Nação)
REFERÊNCIAS E RECOMENDAÇÕES DE LEITURA
CLAUSEWITZ, Carl von. ON WAR. Index Edition. Princeton: Princeton University Press, 1989. 732p. Editado e Traduzido por Michael Howard e Peter Paret.
COWLING, Maurice. The Impact of Hitler: British Politics and British Policy 1933-1940. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. 576 p.
GILBERT, Martin. A Segunda Guerra Mundial: Os 2.174 Dias que Mudaram o Mundo. 1 ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014. 976 p. Tradução de Ana Luísa Faria e Miguel Serras Pereira.
LUKACS, John. Churchill e o Discurso que Mudou a História: Sangue, Trabalho, Lágrimas e Suor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. 119 p. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges.
SONDERMANN, Ricardo. Churchill e a Ciência por Trás dos Discursos: Como Palavras se Transformam em Armas. São Paulo: LVM Editora, 2018. 448 p. Editor Responsável: Alex Catharino.
Marcus L L Chagas é Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-MG, estudioso e pesquisador de Política Internacional, com ênfase em Política Britânica, História Geral e Distribuição Internacional de Poder. É membro-associado da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra - Delegacia do Estado de Minas Gerais (ADESG-MG).
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