A moeda tem um importante papel na sociedade contemporânea, pois com ela permitiu-se que as relações de trocas deixassem de ser um simples escambo de mercadorias para se tornarem um complexo sistema econômico globalizado, com inúmeras transações ocorrendo a todo instante. O pensamento predominante na atualidade é de que a gestão do sistema monetário de um país é de responsabilidade do próprio Estado, pois apenas esse pode garantir a estabilidade e segurança desse sistema de forma imparcial, com o objetivo de otimizar a economia local. Entretanto, a corrente de pensamento Liberal/Libertária se opõe a esse controle Estatal, pois a ação do governo na gestão monetária gera diversos malefícios à sociedade e serve apenas para atender alguns interesses privados. Portanto, são propostos sistemas alternativos com objetivo de minar o poder autoritário dos governantes, a fim de garantir a liberdade individual.
A primeira moeda foi criada em 700 a.c., em Lydia, região na atual Turquia, como forma de facilitar o escambo, a partir de metais de alto valor e de fácil conversão. A partir de então, a moeda foi sendo adotada cada vez mais por comerciantes ao redor do mundo. Com a justificativa de garantir a autenticidade do metal, diversos nobres começaram a proibir a utilização de qualquer moeda dentro do seu território, exceto aquelas com a cunhagem real. Entretanto, tal ação não veio da benevolência da realeza, tendo em vista que eram cobradas taxas dos metais aprovados para circulação que enriqueciam os nobres.
A partir dos séculos XV e XVI, bancos privados europeus passaram a emitir certificados de depósitos bancários de metais preciosos, como ouro, prata e cobre e, por sua maior praticidade, esses certificados passaram a ser trocados livremente e substituíram, em partes, as moedas metálicas. Porém, a partir de 1694, devido à necessidade inglesa por dinheiro após ser derrotada pela França em uma batalha, foi criado o Banco da Inglaterra para emitir papel-moeda, com a promessa de um resgate de juros no futuro. Considerando-se as vantagens da existência de um banco emissor de moeda, o governo inglês passou a restringir cada vez mais a emissão por parte dos bancos privados. Assim, em 1821, os bancos foram forçados a adotar somente o padrão ouro em suas notas, e em 1844 a Inglaterra proibiu e criminalizou a emissão de moeda por meios privados, monopolizando essa função a alguns bancos sob autorização Estatal.
Não obstante, diversos outros governos Europeus seguiram os passos ingleses e passaram a controlar totalmente a emissão de papel-moeda. Entre a primeira e a segunda guerra mundial, devido a problemas de liquidez, diversas nações abandonaram o padrão ouro e impediram a conversão de moeda em ouro, retirando qualquer lastro que os impediam de realizar políticas monetárias agressivas. Outro marco da intervenção do Estado no dinheiro foi em 1971, quando os Estados Unidos adotaram a moeda fiduciária, marcando o fim do padrão ouro na economia mundial e o total controle estatal sobre a moeda.
Assim, através dessa linha temporal, o poder dos Governos sobre a moeda tem sido debatido dentro do movimento Liberal a partir de duas perspectivas: ex-ante e ex-post. A análise ex-ante não se preocupa em pensar nos efeitos maléficos que o estado gera pelo controle monetário, de modo que ela analisa as questões fundamentalistas acerca da eticidade desse controle. A partir, desse ponto de vista é possível inferir que o monopólio estatal sobre a moeda fere os Direitos Naturais, propostos por John Locke como parte inerente à natureza humana. O direito de liberdade é ferido quando o governo não permite que o cidadão escolha a foma de aceitar um pagamento por um serviço ou produto e o direito de propriedade também é ferido, pois existe a proibição de se ter outros tipos de pagamentos, ao não ser aqueles autorizados ou obtidos por meio da autoridade monetária, como moedas estrangeiras, por exemplo. Por outro lado, através da análise ex-post, que se trata da perspectiva de avaliar os efeitos do passado, percebe-se que o controle do Estado sobre a moeda gera consequências econômicas graves, como inflação, ciclos econômicos acentuados, crises fiscais e excesso de liquidez. Isso porque, as políticas monetárias servem para ajudar alguns grupos predominantes, como grandes bancos, indústrias nacionais não-competitivas e exportadores, causando um problema de conflito de interesses e corrupção no sistema.
Ainda que partindo de pontos de vista diferentes, os libertários chegaram a mesma conclusão; o controle absoluto do Estado na economia é maléfico e deve acabar. Para isso, foram propostos sistemas alternativos que, em sua maioria, se encaixam dentro de três sistemas monetários.
O primeiro é a volta da moeda com um lastro em ouro - padrão ouro - ou em outra commoditie, podendo empresas privadas serem responsáveis pela cunhagem dessa moeda, como Murray Rothbard, defende no seu livro “O Que O Governo Fez Com O Nosso Dinheiro”. Dessa forma, companhias manteriam armazéns para a estocagem desses bens e seriam responsáveis por emitir o papel-moeda. Dessa forma, a segurança desse sistema seria garantida pela reputação das empresas no mercado. Portanto, se alguma dúvida surgisse sobre as políticas da empresa, como emissão exagerada, o dinheiro que ela emitiu perderia valor, já que as pessoas passariam a evitá-la. Por consequência, existe um incentivo a boas práticas na gestão monetária. Porém, para o economista Friedrich Hayek, essa medida não é totalmente eficiente, tendo em vista a necessidade de estocagem de materiais, limitação a inovação, fragilidade e possível votabilidade desse sistema divido a necessidade de commodities, que podem, em alguns momentos, tornarem-se escassas. Para ele, o valor da moeda não está no bem em que ela é conversível, mas na confiança do mercado no emissor.
Desso modo, Hayek propôs no livro “Desestatização do Dinheiro”, inicialmente, um sistema monetário intermediário, no qual os países devem criar um pacto para permitir que a sua população e suas empresas troquem livremente as moedas nacionais, controladas pelos próprios Estados, podendo essas serem fiduciárias, ou seja, sem qualquer ancoragem em um bem. Dessa maneira, devido a livre troca, somente aqueles países que adotassem medidas para gerar estabilidade monetária e para ganhar confiança do mercado, teriam a ampla adoção a suas moedas. Logo, haveria um incentivo a boas práticas dos governos, eliminando parte significativa dos riscos de excesso de liquidez e juros artificialmente baixos, o qual, para o autor, é o grande responsável pelas graves crises econômicas vistas no século XX, mais notavelmente a Crise de 1929. Entretanto, os governos ainda teriam poder sobre a moeda, sendo possível que eles retornem às más condutas, e a concorrência seria limitada, o que geraria um sistema ineficiente. Logo, a população, ao ver os benefícios que a concorrência gera em uma livre troca de moedas, estaria propensa a adoção de um sistema mais aberto e livre.
Assim, Hayek propõe como ideal e final, um sistema de múltiplas moedas privadas fiduciárias, no qual, segundo ele, pelo fato das moedas serem bens privados e o seu valor de mercado derivar da confiança do publico, as pessoas escolheriam adotar a moeda que se mostrasse mais estável e segura quando comparada as outras. Portanto, isso criaria um incentivo positivo para as empresas inovarem em segurança, serviços e em novas tecnologias, a fim de conquistar mais adesão a sua moeda e maximizar seus lucros. À vista disso, o sistema teria diversos concorrentes e sempre que houvesse uma necessidade de mercado, uma empresa poderia entrar como um player e vender seu serviço. Porém, o próprio economista afirma que implementar essa ideia é muito difícil, pois interfere em diversos interesses privados que lucram a séculos com esse sistema, além de existir um pensamento predominante na população de que é dever do Estado gerir a moeda, já que empresas privadas teriam como único interesse o lucro e somente o governo seria capaz de impor e suprir o que é melhor para toda a população.
Dado o exposto, pode-se concluir que, segundo o pensamento libertário, o controle da moeda pelo Estado, por mais que nem sempre absoluto, está presente na história e tende a aumentar com o tempo, sendo uma prova do autoritarismo do governo perante o indivíduo. Ainda que fira os Direitos Naturais e gere consequências negativas para a economia como um todo, o fim do monopólio estatal está muito longe de acontecer, pois contraria o interesse de grupos privilegiados e a própria cultura da população. Assim, ainda que haja o advento de novas tecnologias que possam simbolizar progresso nesse quesito, sua implementação revela-se como algo complexo. No caso das criptomoedas, por exemplo, há uma movimentação por parte dos governos que visa regular, restringir e até proibi-las, conforme visto recentemente na China. No entanto, o debate e a proliferação de novas ideias é fundamental para que a liberdade seja ao menos uma possibilidade no futuro.
Fernando Fernandes, graduando em Ciências Econômicas pelo Ibmec-BH.
Referências Bibliográficas:
CAUTI, Carlo. China considera Bitcoin ‘indesejável’ e cogita proibir a criptomoeda. São Paulo: Suno research, 11 abr. 2019. Disponível em: https://www.sunoresearch.com.br/noticias/china-considera-bitcoin-indesejavel/#:~:text=China%20considera%20Bitcoin%20%27indesejável%27%20e%20cogita%20proibir%20a%20criptomoeda,-Por%20Carlo%20Cauti&text=O%20governo%20da%20China%20estaria%20cogitando%20proibir%20o%20Bitcoin.&text=Um%20documento%20elaborado%20pela%20Comissão,entre%20as%20quais%20o%20Bitcoin. Acesso em: 25 maio 2020.
HAYEK, F.A. DESESTATIZAÇÃO DO DINHEIRO. 2 ed. São Paulo: Instituto Ludwing von Mises Brasil, 2011.
ROTHBARD, M.N. O Que O Governo Fez Com O Nosso Dinheiro?. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2013.
WIKIPEDIA. Bank Note. Disponível em: . Acesso em: 2 junho 2020.
BOAZ, D. O MANIFESTO LIBERTÁRIO. Pinheiros: Editora Peixoto Neto, 2012.
Comentários