Se tem duas tecnologias que abalam hoje os mercados financeiros, são o Bitcoin e as fintechs. Ambas fazem parte da chamada economia (ou indústria) 4.0, caracterizada por seu alto grau especulativo, com volatilidades diárias que deixam investidores de CDI com os
cabelos em pé. O primeiro promete ser a moeda do futuro e revolucionar a maneira como as pessoas transacionam seu dinheiro, mas segue tendo seu acesso restrito a entusiastas e milionários, e as segundas possuem planos de negócio lindos, pelos quais o mercado paga valores totalmente desproporcionais à sua geração de caixa e lucro. Obviamente, existem aplicações financeiras bem mais especulativas, mas esses possuem uma tecnologia diferenciada. Explico.
Como entusiasta (e, em algum grau, estudioso) de inovação e empreendedorismo, enxergo o movimento desses ativos dentro de um todo global. A maior propensão a risco de grandes players, como o samurai SoftBank, deriva não apenas do fato de títulos de dívida com taxas de juros negativas se multiplicarem no mundo, principalmente em nações desenvolvidas, mas também pela presença cada vez maior de tecnologias exponenciais, aquelas para as quais se aplica a lei de Moore, segundo a qual, devido à escalabilidade de suas soluções, a capacidade produtiva da empresa pode dobrar a cada 18 meses, sem aumentar seus custos. Como exemplo, pode-se citar a frase do mito chinês Jack Ma, fundador do Alibaba, que, para adquirir milhões de novos clientes, basta alugar um novo servidor.
Mas isso é blablabla técnico. Na prática, e no cotidiano das pessoas, que é o que importa, tecnologias exponenciais são aquelas que geram impacto na rotina, no trabalho ou até no relacionamento entre as pessoas: a impressora 3D que constrói casas, o blockchain que viabiliza o Bitcoin, o Big Data que faz com que Amazon e Google descubram o que você precisa antes mesmo de você precisar, o carro autônomo, os drones, Inteligência Artificial,... tudo isso trabalhando em um ecossistema digital, mas não ficando restrito a ele, como no caso de energias limpas.
Essa exponencialidade pode ser registrada em diversos âmbitos. A StartSe, maior ecossistema de startups brasileiro, noticiou, em janeiro de 2017, a existência de 186 unicórnios (empresas avaliadas em pelo menos US$ 1 bilhão) no mundo, com captação de US$126 bilhões. Uma notícia da Época Negócios de 18/06/2019 descrevia os 360 unicórnios do mundo, até então com captações de US$273 bilhões. A atualização desta notícia, feita em 19/09/2019 já identificava 393 empresas, que captaram US$292 bilhões em investimentos (um aumento de 9% em quantidade e de 7% no capital em apenas 3 meses, e mais que o dobro em apenas 2 anos e meio, e a tendência é crescer cada vez mais rápido).
Em empresas já maduras no mercado, esse aumento segue a lógica do “US$1 Bilhão adicional”. Microsoft, Apple e Intel, as empresas que permitem que você leia meu texto, demoraram 15 anos para valer US$ 1 bilhão, mas, hoje, conseguem aumentar esse valor de mercado em questão de dias. A Amazon e o Google, as empresas que sabem mais de você do que você, seus pais e seus amigos somados, demoraram 5 anos para se juntar a esse grupo, mas apenas 3 dias para adicionar seu US$1 bilhão mais recente em valor de mercado. Netflix, a empresa que nos acolhe quando estamos em casa no escuro, demorou 10 anos para chegar a essa escala, mas incrementa esse valor a cada mês.
O Brasil não fica para trás no assunto. Em 2019, gerou 5 novos unicórnios (empresa avaliada em pelo menos US$1 Bilhão), Loggi, Gympass, QuintoAndar, Ebanx e Wildlife, colocando o Brasil em terceiro lugar do ranking, ao lado da Alemanha. Não direi quem são os primeiros (dica: o símbolo de um é a Águia e o do outro é o Dragão), mas, no dia 08/01/2020, enquanto descansava dos meus códigos de programação, gráficos de finanças e livros de suspense, abri meu Instagram e vi Ricardo Amorim, economista mais influente do Brasil e com o qual compartilho algumas ideias, noticiar que a Loft, empresa de tecnologia no ramo de compra e venda de apartamentos, é o mais novo membro do seleto grupo de unicórnios brasileiros, demorando apenas 16 meses para tal. A 99 táxis, primeira brasileira a ter esse valor, demorou 5 anos. Talvez o menino da porteira de Sérgio Reis não esteja mais interessado no som do berrante, mas em criar uma empresa que o recrie para ser tocado nos principais festivais de rodeio e sertanejo do país.
Se eu tivesse a idade do menino da porteira hoje, inclusive, provavelmente perguntaria a meu pai sobre cursos de chinês. Em ranking atualizado em outubro de 2019, dos 10 maiores unicórnios do mundo, 6 são chineses. O pódio é inteiramente deles. Didi Chuxing você conhece por ser a dona da 99 táxis no Brasil e, apesar de ser conhecida como a “Uber chinesa”, lidera o mercado mundial com alguma folga. ByteDance é a dona da nova (inexplicável) febre da Internet, o TikTok. A líder, AntFinancial, é a plataforma de pagamentos do Alibaba, maior site de e-commerce do mundo, com cerca de 15% do mercado chinês. Estão à frente de empresas conceituadas e famosas, como Airbnb, que dispensa apresentações, SpaceX, da lenda Elon Musk, que escalou viagens ao espaço a outro patamar, e a polêmica WeWork. O ranking completo segue abaixo.
A pergunta que não cala economistas, financistas, sociólogos, políticos e várias outras profissões é: Onde isso vai parar? Talvez no futuro tenhamos uma sociedade totalmente digitalizada como nas obras do gênio Ernest Cline, ou o Exterminador do Futuro possa ser nosso colega de trabalho(?), escola(?), ou viajaremos em naves como os Jetsons. Especialistas divergem sobre o assunto, principalmente, porque fóruns mundiais se reúnem para, além de gastar dinheiro do povo, uma prioridade talvez, discutir onde e como regular o avanço dessas novas tecnologias, que, segundo eles, crescem às margens de qualquer regulação que diga como eles devem manusear dados sensíveis de toda a população, e os limites disso.
As startups contaminam o mundo com suas propostas de valor, objetivos de longo prazo, valores, inclusão, diversidade, que fazem os olhos de funcionários, investidores e clientes brilharem, mas, quando a burocracia chegar, as consequências podem ser severas. Margrethe Vestager, presidente da divisão antitruste da Comissão Europeia, conhecida por ser a inimiga número 1 do Vale do Silício, já multou empresas como Google e Apple em valores bilionários, por infração a leis antitruste e evasão fiscal, e investiga Facebook e Amazon por uso de dados para levar vantagem sobre a concorrência e por “práticas comerciais desleais”. Além disso, é pioneira na regulação sobre inteligência artificial e trabalhadores da economia gig, como motoristas do Uber ou entregadores do iFood (meus queridos, em Hollywood, nada se cria, tudo se copia). Para a nossa (pelo menos, a minha) alegria, a União Europeia já enfrenta muitas questões complexas, como a saída do Reino Unido da União Europeia (o famoso, polêmico e interminável Brexit), a ascensão do populismo e o desgaste das relações diplomáticas com os Estados Unidos, e não possui prioridade em sua agenda para discutir as questões defendidas pela legisladora dinamarquesa.
Enquanto essas questões são discutidas, o valuation dessas empresas só cresce. Muitas delas, como Eztech, Sinquia, Fleury e Banco Inter, para ficar só no Brasil, já possuem capital aberto em bolsa e são as queridinhas na carteira de muitos investidores. Empresas tradicionais, como a locadora Localiza, a seguradora Porto Seguro, a varejista Magazine Luiza e o Banco Pan, que modernizaram sua infraestrutura e cadeia logística, colocando tecnologia desde o processo de vendas até o recrutamento de talentos, em busca da tão comentada transformação digital, testemunham multiplicações sem precedentes em suas ações na Bolsa de Valores. Mesmo empresas incipientes neste processo já possuem seus múltiplos subindo estratosfericamente, como a também varejista Via Varejo, dona das marcas Casas Bahia e Ponto Frio. Quem não o fizer (alô Kodak. BlockBuster, tudo bem? Bom dia, Yahoo. Como vai, senhora Xerox?) está fadado a ser parte dos livros de história.
Um mantra entre os investidores anjo é que a cada 10 empresas investidas, apenas uma vai sobreviver no longo prazo. Assim, vale enfatizar que todos esses investimentos possuem riscos elevadíssimos. Isso ficou claro na correção forte que as bolsas mundiais sofrem desde o problema geopolítico Estado Unidos-Irã. Nunca ficou tão claro que a volatilidade das bolsas mundiais tende a aumentar muito nos próximos anos, à medida que essas empresas estão mais presentes não apenas na vida das pessoas, mas também nos índices que retratam o desempenho do mercado. Elas oferecem oportunidades, perspectivas e crescimento, ao mesmo tempo que exigem sangue frio, cabeça no lugar e estômago forte. Nunca foi tão importante saber onde estamos pisando.
O PSG investiu pesado quando, com muito polêmica, contratou o craque brasileiro Neymar Jr. e a joia francesa Kylian Mbappe por 400 milhões de euros, em duas das maiores transações da história do futebol. Assim como eles, só o tempo dirá se a atenção (e a grana principalmente) gasta com essas empresas será recompensadora ou não. O jogo está sendo jogado e apostas estão sendo feitas. Eu tenho as minhas. Quais são as suas?
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